Boletim de Ocorrência

- Pode relatar o ocorrido?

- Claro! Eu estava bem quando ele passou. Passou por mim. Através de mim. Enquanto ele passava eu pude entender melhor tudo à minha volta. Mas foi muito doloroso. Ele levou minha juventude, minha saúde, minha energia. Ele levou meus amores, meus sonhos, minhas oportunidades! E então levou minha mãe! Ela que sempre disse que ele era bom, que ele tinha ajudado a resolver os problemas mais graves da família, e ele nem se importou! Eu tentei impedi-lo. Fiz de tudo! Gritei até quase perder a voz! Tentei entrar na sua frente, mas eu já disse: Ele passou por mim; Passou através de mim! E levou tudo o que eu tinha. Eu tentei impedi-lo. Fiz de tudo! Tudo o que encontrei joguei no seu caminho! Fiz barricadas! Mas ele passou por tudo, através de tudo e levou tudo o que eu tinha! Nada o detém! Eu tentei agarrá-lo, prendê-lo... finquei estacas nos seus rastros no intento de ao menos retardá-lo, mas ele passou indiferente. E agora levou meus filhos! Eu implorei para ele voltar, mas ele não volta!

- Por favor, acalme-se e seja mais objetivo... Quem é ele?

- Ele? Passou... ninguém pode impedi-lo e nada o fará voltar. E vim até aqui porque sei que ele levará a todos! Todos nós! Não que vocês possam fazer algo, mas eu queria deixar registrado de uma maneira assim, oficial, para quem sabe alguém um dia ler e compreender o que aconteceu conosco. Não temos salvação! Estamos todos perdidos! Ele é poderoso demais para nós.

- Mas senhor, me dê um nome!

- O senhor não sabe? Não percebeu? Ele também passou por você... posso ver. Passou através de você. E vem levando tudo o que o senhor tem, aos poucos. Não percebe? Não está sentindo agora mesmo?!

- Do que está falando, senhor?! Diga quem ele é de uma vez!

- ...Vou me calar para que o senhor o perceba passando.

Caio Dezorzi
Dezembro de 2013