Os olhos também falam

Naquele dia conversamos pessoalmente pela primeira vez, só que sem palavras. Foi uma conversa de olhares.

Caminhando apressado, sempre atrasado, nada me prendia. Toda concentração em acelerar cada passo na esperança de fazer o relógio retroceder. Ninguém me deteria. Até que por entre os anônimos transeuntes que caminhavam no contra-fluxo, avistei você. Olhos nos olhos, mesmo que ainda distantes. Me senti fora do tempo. Não que este tivesse parado, mas era como se não me afetasse mais. Cada passo meu agora parecia me transportar a um novo lugar, de onde podia melhor te ver, me vendo. Nem lembrava mais do vital motivo de minha pressa. Nada podia me libertar do seu olhar. Não sei ao certo, mas creio que foram uns quinze passos de olhos nos olhos até nos cruzarmos. Quinze passos que pareciam quinhentos, porque fora do tempo perdemos a noção de espaço. Mas mesmo tudo parecendo se mover em câmera lenta, e mesmo com um enorme desejo curioso de passear meus olhos por todo o seu corpo, não fui capaz de desviar meus olhos dos seus, por nem um instante sequer.

Ao nos cruzarmos te perdi de vista e fui soterrado por uma avalanche de questões num piscar de olhos: Quem era você? Por que me despertava tanto interesse? Que tipo de hipnose tinha sido essa? Será que morrerei sem saber? Por que não parei e perguntei seu nome? De onde te conhecia? Te conhecia? Te veria de novo?

Os pés seguiam um após o outro a produzir os passos como numa linha de montagem. Estavam no piloto automático por conta do motivo de minha pressa do qual não podia mais me lembrar. Antes que pudesse me distanciar demais, olhei pra trás, esperando ver seu verso a distanciar-se. E, embora se distanciasse de fato, me olhava também! Pescoço torcido pra trás como o meu! Foi como uma despedida que nossos olhos haviam planejado em segredo.

Naquele dia conversamos pessoalmente pela primeira vez, só que sem palavras. Foi uma conversa de olhares. Os olhos também falam.

Caio Dezorzi
Março de 2012